Autora: Lisandra Franco de Mendonça
Tradução (do original em inglês): João Correia Vieira
INTRODUÇÃO.
A chegada a Moçambique da expedição de Obras Públicas de 1877 foi seguida por uma campanha de obras civis na colônia portuguesa, que culminou na definição e implementação do “Projecto de Expansão da Cidade de Lourenço Marques” (1887-1895). Esses eventos foram uma consequência direta de um processo de real ocupação e exploração dos territórios colonizados, imposta pela Corrida pela África no último quarto do século XIX.
A afirmação de Lourenço Marques como cidade importante no conjunto dos assentamentos ao longo da vasta costa moçambicana, no final do século XIX, pode ser explicada por sua proximidade com a África do Sul, um locus de grande tecnologia e crescimento demográfico devido à descoberta de vastos depósitos de carvão, ouro e diamantes.
Esses desenvolvimentos exigiam a construção infra-estruturas de meios de transporte de e para os portos mais próximos: a proximidade geográfica de Lourenço Marques tornava-a num ponto natural de trânsito de mercadorias e pessoas com ligação extração de minério na África do Sul.
O Tratado de 1876, assinado pelo Transvaal e pela Coroa Portuguesa, visou garantir os acordos previamente estabelecidos e comprometer o Governo português a realizar grandes obras de construção civil na província de Moçambique.
Assim, a expedição de Obras Públicas mencionada foi enviada a Moçambique da metrópole em 1877. Três secções de Obras Públicas foram formadas na província (1º Moçambique, 2º Quelimane e 3º Lourenço Marques), que eram supervisionados por um diretor-geral: inicialmente o chefe dos engenheiros Joaquim José Machado (1847-1925), e posteriormente o engenheiro-chefe António José de Araújo.
Em 1877, Lourenço Marques era constituída por 110 casas e 304 habitantes (portugueses e estrangeiros). A população “indígena” no distrito compreendia cerca de 50.000 a 80.000 indivíduos, organizados em várias unidades políticas que dividiram o planalto localizado ao norte do Estuário do Espírito Santo.
O pequeno povoamento de Lourenço Marques foi confinado por uma linha de defesa e por pântanos em toda a volta (Fig. 1). A ligação com o piso sólido foi feita caminhos primitivos e estreitos, posteriormente substituídos pela Avenida Central / Manuel de Arriaga e Avenida Augusto de Aguiar / D. Luís, construídas a partir de 1887 (Figs. 2 e 3).
O pequeno assentamento urbano teve a Fortaleza como seu elemento principal e estruturante, com o flanco sul na linha de água. O assentamento desenvolveu-se para o oeste, ao longo do rio, “[…] estruturando a direção dos seus traçados em relação à Praça da Picota […]” (MORAIS, 2001). Com algumas pequenas alterações, este primitivo organismo urbano acompanhou a expansão da cidade no final do século XIX. Constituíu o núcleo estruturante da “nova cidade” e das suas áreas comercial e administrativa, estreitamente ligadas ao porto e à ferrovia, os seus motores de desenvolvimento.
Richard Thomas Hall (1825-1889), enviado a Lourenço Marques pela República da África do Sul para prosseguir com a pesquisa do “país” e da definição da via férrea, também realizou, a pedido do governo de Lourenço Marques, na pessoa do governador Augusto de Castilho (1873-1879), o primeiro levantamento topográfico da vila (datado de 1876) e um plano inicial para o saneamento do pântano do Maé e a construção de uma assentamento separado, próximo à estrada para Lindemburgo, com planta estruturante quadrática (Fig. 1).



De acordo com alguns autores, R.T. Hall também traçou um plano de urbanização (do qual consta o registo de cópia efectuada pela Junta de Investigação do Ultramar), de 1878, do qual constava o “Progecto de melhoramentos na povoação antiga e porto” (Projeto de Reforma no Centro Histórico e Porto), o “Progecto de saneamento do pântano” (Projeto de Drenagem do Pântano) e a “Planta da nova povoação” (Projeto de Novo Assentamento Urbano) no Alto da Maxaquene, em forma de hexágono regular (Fig. 2).
O projeto de drenagem do pântano estabeleceu uma rede de valas colectoras na base das encostas do Maé e da Maxaquene para colectar água das nascentes que, junto com a água das marés, alimentavam o Pântano de Maé. Posteriormente, um sofisticado sistema de valas, próximo à base das “[…] encostas, passou a captar a água descarregada pelas nascentes e transportada para o colector central através de valas de desvio, e jogada no mar […] ”(LIMA, 1968) durante a maré baixa.
As obras de drenagem do pântano do Maé foram iniciadas pelo 3ª Departamento de Obras Públicas em meados de 1877, com a abertura de valas, a colocação de ralos e a construção de um dique ribeirinho onde a ferrovia foi posteriormente construída (MACHADO, 1881). Este dique começou na extremidade noroeste da aldeia, circundando completamente “[…] os solos lamacentos expostos às pequenas marés […]”(LONGLE, 1887), e evitando o seu alagamento com águas salgadas (Fig. 1).
As obras de saneamento perduraram até às primeiras décadas do século XX (GALVÃO, 1920).
A construção da ligação ferroviária ao Transvaal, cujo primeiro troço foi inaugurado no final de 1887 (FOWLER, 1887), permitiu a drenagem de uma extensa faixa de matas ciliares, posteriormente ampliada pelo terreno conquistado ao rio ao longo da construção faseada do porto (TERRA VIANA, 1907). Porém, apesar do compromisso com as obras, até ao início do século XX grande das terras baixas do Maé permaneceu sem drenagem e abaixo do nível do mar. Como seria de esperar, a água continuou acumular-se nessa área (LONGLE, 1887).
No que se refere às obras realizadas pela expedição de Obras Públicas no município, foi possível, nas palavras de João Morais, “Com acesso a novos recursos, materiais e técnicos, […] erguer um conjunto […] de edificações, ainda que provisórias, construídas utilizando modelos pré-fabricadas, em madeira e metal […] ”, a fim de atender às necessidades mais urgentes do funcionamento do sector público. Entre eles, e ao longo da Avenida D. Carlos – a antiga Rua da Linha (Rua da Linha de Defesa) e depois Avenida da República –, destacaram-se o seguinte: os prédios do Departamento de Obras Públicas e da Imprensa e Correios (em madeira e zinco) e Prisão Civil (em alvenaria, com pedras da demolição da linha de defesa) (Fig. 4).
Ao chegar a Lourenço Marques, a expedição empreendeu imediatamente a construção do Hospital Civil e Hospital, iniciado em 1877, e a construção da Igreja Paroquial, início em 1878 (MACHADO, 1881). Os dois edifícios foram colocados num local “[…] alto, bem ventilado, longe do pântano, e subordinado ao plano da cidade […] ” (MACHADO, 1881), que correspondia a uma matriz hexagonal, delineada por R.T. Hall (Fig. 2).
No entanto, este plano foi abandonado e substituído pelo projeto de 1887 de ampliação da cidade, delineada pelo 3º Departamento de Obras Públicas (FRANCO DE MENDONÇA, 2016).
O PROJECTO DE EXPANSÃO DA CIDADE DE LOURENÇO MARQUES.
Em 10 de novembro de 1887, Lourenço Marques foi agraciada com a condição de cidade. Em Dezembro do mesmo ano, António José de Araújo, então Administrador do Departamento de Obras Públicas da Província de Moçambique, apresentou o “Projecto de Expansão da Cidade de Lourenço Marques”, que concebia uma matriz contínua sobre os pântanos, em oposição à opinião comum de que afirmava que o crescimento de Lourenço Marques devia evitar as áreas junto a pântanos.
O plano prévio, executado pela 3ª Secção de Obras Públicas (entre 1887 e 1895), focava-se em duas questões imperativas: maior acessibilidade para o comércio intra-regional e regional e saneamento da cidade. O desenho da solução para esses problemas foi encontrada precisamente na relação benéfica entre o porto / ferrovia e a cidade, permitindo um acesso mais económico e eficiente a materiais de construção e a outros recursos.
A ampliação da cidade começou com o enchimento das terras alagadas com uma média de 2m de enchimento, para viabilizar a construção da Avenida D. Carlos (MOÇAMBIQUE, 1901). Isto deu início *a abertura das novas vias delineadas no plano prévio: uma série de avenidas longitudinais, paralelas ao eixo maior da cidade, ligadas por avenidas transversais com espaçamento de cerca de 100 a 200m (Fig. 4).

O pântano próximo à cidade foi atravessado por três avenidas longitudinais: a primeira, Avenida D. Carlos, com extensão de aproximadamente 2000m; a segunda, Avenida Pedro Alvares Cabral, 140 m ao norte da Avenida D. Carlos; e a terceira, Avenida Fernão de Magalhães, a 120m da segunda, parcialmente na encosta e parcialmente no pântano. Essas avenidas estavam ligadas por dez avenidas transversais. Todas elas foram construídas em aterros e pelo menos 2/3 do volume de terra necessário para este fim veio do extremo leste da cidade, das elevações que dominavam o porto (idealizado) na enseada da Maxaquene.
O trabalho de enchimento foi realizado com a ajuda de mão de obra “indígena”, o Corpo de Polícia e uma linha Decauville (PEREIRA, 1888). A terra foi carregada encosta abaixo para o pântano em vagões sobre trilhos de ferro que eram então puxados pela tração humana, encosta acima, para serem carregados uma vez mais.
Ao mesmo tempo, entre 1887 e 1893, o Departamento de Obras Públicas construiu a Sede da Polícia do Alto Maé (ver Fig. 4), próximo ao cemitério de Mpfumu, como um posto avançado da cidade para o oeste (LEMOS, 1987). Este prédio era urgentemente necessário, já que o Corpo de Polícia estava precariamente instalado num barracão de madeira localizado na Rua D. Luís I (atual Consiglieri Pedroso), bem próximo ao pântano.
Por volta de meados de 1888, aproximadamente três quintos do Corpo de Polícia (91 elementos), parte dos primeiros contingentes que chegaram a Lourenço Marques vindos da metrópole, foram internados no Hospital Civil e Militar da cidade com febres do pântano. Este Corpo de Polícia foi recrutado pelo Gabinete de Obras Públicas para as obras em andamento, pela falta de mão de obra e dado que “[…] em todos os lugares o terreno estava a ser escavado para abrir avenidas e ruas e construir casas […] ”(PEREIRA, 1888).
Na mesma época, uma série de outras obras públicas foi realizada: a construção do Paiol (ver Fig. 4), localizado nas encostas do Maxaquene, iniciado em 10 de maio de 1878 (MACHADO, 1881) e concluído em 1888, o Matadouro Municipal, iniciado em 23 de outubro de 1887; a citada Prisão Civil e Esquadra da Polícia, iniciada em 9 de outubro de 1887, e o edifício da Sede das Obras Públicas, iniciado em 24 de setembro de 1888.
Assim, em meados de 1888, o Departamento de Obras Públicas de Lourenço Marques estava ocupado, entre outras obras civis, na construção da Sede da Polícia, da Prisão Civil, do Paiol, da Fábrica de Fundição de Ferro (iniciada em 27 de maio de 1888) e do Hangar da Alfândega, bem como nas diversas benfeitorias na Igreja e no Hospital.
Em relação às novas avenidas encontravam-se em construção:
Augusto de Aguiar (posteriormente D. Luís), a avenida mais larga da cidade – coroada na década de 1940 pela monumental Praça de Mouzinho de Albuquerque e o Palácio Municipal – foi iniciada em 14 de agosto de 1887, pavimentada durante os meses que se seguiram e recebeu mais de duzentas árvores;
General Joaquim José Machado, cuja construção teve início em 17 de outubro de 1887, localizava-se a norte da Praça da Estação e foi nivelada, pavimentada e recebeu uma linha de árvores após a demolição do bastião “31 de Julho” e da linha de defesa;
Elias Garcia (posteriormente Augusto Castilho), que demarcou os limites orientais da matriz urbana (demarcada pela área non aedificandi em torno do Paiol) e cuja construção teve início em 16 de janeiro de 1888, junto à velha linha de defesa;
Fernão de Magalhães, iniciada em 19 de fevereiro de 1888;
Álvares Cabral, iniciada em 12 de fevereiro de 1888, partindo da Avenida Elias Garcia para oeste, sobre o antigo esgoto que marcava o limite sul do Jardim da Sociedade de Arboricultura e Floricultura (na origem do Jardim Vasco da Gama) (Fig. 7);
D. Carlos (posteriormente Avenida da República), iniciada em 7 de maio de 1888, localizada entre as Avenidas Augusto de Aguiar e Elias Garcia;
El Rei D. Manuel (posteriormente 5 de Outubro e Rua da Rádio), que teve início em 01 de julho de 1888, e foi nivelada e pavimentada até à altura da Sede da Polícia do Alto Maé em dezembro de 1888;
e finalmente Henrique de Macedo (posteriormente Alves Correia), a seção sul foi interrompida, e agora corresponde à Rua Paulino Santos Gil, cuja parte norte, adjacente à Sede da Polícia do Alto Maé, foi iniciada em 23 de julho de 1888, entre as Avenidas Pinheiro Chagas e El Rei D. Manuel (o troço que passou a chamar-se Avenida 5 de Outubro).
Na mesma época, em 1885, foi fundada a Sociedade de Arboricultura e Floricultura de Lourenço Marques. O objetivo da Sociedade era o florestamento do pântano que separava o antigo assentamento colonial do piso sólido e a criação de um jardim (LONGLE, 1887). Armando Longle (que chegou a Moçambique na referida expedição de 1877), director das Obras Públicas da província e promotor da Sociedade, afirmou que se pretendia “[…] lidar com todos os assuntos relacionados à cultura [arbori] no Distrito, tais como saneamento pelo uso de plantações, fixação de dunas, introdução de plantas úteis […] ” e que esses trabalhos da Sociedade prosseguiram de tal forma que “[…] as madeiras de eucalipto passaram a cobrir terras antes alagadas e milhares de árvores de diversas espécies foram introduzidas. ”
Junto com o Jardim de Arboricultura e Floricultura (ver Figs. 3 e 4), vários viveiros foram estabelecidos e fornecidos com sementes e plantas de várias espécies e proveniências, que abasteciam o governo distrital e o município com milhares de mudas que foram entregues à Seção de Obras Públicas para a arborização da área (LONGLE, 1887). Algumas espécies (por exemplo, a casuarina tenuissima) foram utilizadas para estabilizar as dunas localizadas perto da vila, dado que, devido ao vento, bloqueavam constantemente a estrada para a Ponta Vermelha, “[…] causando despesas sérias e intermináveis […]” (LONGLE, 1887). Nas áreas alagadas e paludosas, assim como nas novas avenidas, foi usada a plantação intensiva do eucalipto.
As obras da ferrovia e o plano de expansão da cidade, com o traçado das avenidas e do aterro do pântano, naturalmente exigia a demolição progressiva da velha linha de defesa. Os escombros das demolições forasm utilizados nos aterros e as pedras na construção da Cadeia Civil e no pavimento da Praça da Estação e nas novas vias. As obras nas avenidas, no entanto, prosseguiram com enormes dificuldades. Uma grande parte do terreno na área foi arrendada, obrigando o governo a pagar pesadas indemnizações. As dificuldades técnicas e financeiras no acesso aos materiais de construção também fez com que a maioria das ruas e avenidas permanecessem sem pavimentação e aguardando macadamização até ao final do século XIX, limitando a construção de novos edifícios (MOÇAMBIQUE, 1901).
A ebulição com Mouzinho de Albuquerque (1855-1902) enquanto governador geral (1896-1898), foi paradigmática quanto à extensão das obras e melhoramentos na província durante este período: em Lourenço Marques foi construída uma ponte sobre a água para cargas e descargas, adequada apenas para pequenas embarcações na maré cheia, aaim como o Quartel da Polícia e a Sede das Obras Públicas, e na Ilha de Moçambique, o Hospital Civil e Militar. As Obras Públicas tinham feito reparações nos palácios, igrejas, fortalezas e residências de governadores, mas não obras com um impacto real no desenvolvimento económico da província. O dinheiro era gasto “[…] em embaixadas, presentes para régulos, dinheiro e armas para potentados que arregimentavam forças indígenas, com as quais se pensava, inútil e inadequadamente, equilibrar a falta de tropas regulares […] ”(MOUZINHO DE ALBUQUERQUE, 1934). A somar aos obstáculos causados pela falta de capital e pelo déficite de recursos materiais e humanos para a continuação das obras civis, havia a substancial burocracia que administrava o Império Português do Terreiro do Paço (MOUZINHO DE ALBUQUERQUE, 1934). Segundo Mouzinho de Albuquerque, a metrópole enviava leis e regulamentos “[…] para regiões dos quais tinham completo desconhecimento e fazia da colónia uma verdadeira caricatura da metrópole, o que contrastava dolorosamente com o que estava a acontecer nos países vizinhos […]”.
Em 1900, uma média de vinte casas por mês eram construídas na cidade de Lourenço Marques, dos quais cerca de 1/4 foi construído em alvenaria (MOÇAMBIQUE, 1901). Até ao final da primeira década do século XX, a cidade havia experimentado muito pouco crescimento. Além da antiga Baixa, a ocupação dos quarteirões foi limitada para a área entre as Avenidas Augusto de Castilho e General Machado. A oeste da Avenida General Machado, entre as Avenidas D. Carlos (futura Avenida da República) e Fernão de Magalhães, os quarteirões construídos no pântano do Maé permaneceram desocupados (Fig. 5). A área construída continuou a noroeste, em Alto Maé, onde as construções em madeira e o zinco predominavam, ocupados pelas classes sociais desfavorecidas. De acordo com o Engenheiro Terra Viana (1907), as cotas mais baixas da zona mais comercial e densamente povoada ficavam na Avenida Central, “[…] 2,46 metros acima do nível do mar e abaixo das cotas da cidade velha […]”, que, conjuntamente com as restantes avenidas na várzea da Baixa, continuaram, por muito tempo, a ser inundadadas pela água que corria livremente à superfície do solo, devido à falta da rede de esgoto (SOEIRO, 1895). A ocidente da Sede do Alto Maé, continuou a haver áreas pantanosas bem adentro o século XX, desvalorizando o bairro a oeste da Avenida Central e tornando-o insalubre (GALVÃO, 1920).
A malha urbana delineada pelo “Plano Araújo” foi sucessivamente ampliada até encontrar o perímetro de um arco de circunferência com raio de 2.000m, com a Praça 7 de Março no centro – os limites da área administrativa da cidade desde 1895 (ENNES, 1896). Este arco adquiriu “[…] um status de permanência, pois foi a origem da Estrada da Circunvalação […]” (MORAIS, 2001). A transferência da capital da cidade de Moçambique para Lourenço Marques (a 1 de Dezembro de 1898), no sul subdesenvolvido da colónia, implicou o planeamento e desenvolvimento de infraestruturas políticas, administrativas e de serviços na cidade (MENDES, 2008). Até então, o investimento público estava focado principalmente no desenvolvimento e ampliação do porto de carga e nos “[…] estudos do caminho de ferro para o Transvaal e sua posterior construção […]” (LONGLE, 1887). O entrada de mercadorias, estrangeiros e caminho das minas do Transvaal e trabalhadores para a ampliação do porto e construção da ferrovia transformou Lourenço Marques num entreposto comercial em pleno desenvolvimento.

A expansão da área urbana para leste, em direção à Polana e à antiga vila da Ponta Vermelha, onde as classes abastadas e a sede do governo provincial se estabeleceram, começou com contratos de partilha e cedência entre o estado e os concessionários de grandes extensões de terrenos estatais (feitos com investidores estrangeiros para o desenvolvimento económico). Isto permitiu ao estado traçar um novo plano de ampliação da cidade em 1907 e de novos limites do município em 1919 (MOÇAMBIQUE, 1919). Os novos limites do distrito estipulavam os limites da cidade, que correspondia aproximadamente ao perímetro de um arco de circunferência com um raio de 2 017 metros. Definiram também os novos limites da área suburbana, indicados pelo perímetro de um segundo arco concêntrico ao primeiro com 7 017 metros de raio (MP, 2008).
As melhorias na cidade foram visíveis a partir da primeira década do século XX, com o abastecimento regular de eletricidade e água (proveniente do rio Umbeluzi, substituindo assim a captação de água nas inúmeras nascentes localizadas no sopé da encosta próxima do antigo pântano), sob concessão da Delagoa Bay Development Corporation Ltd., também responsável pela gestão dos eléctricos e dos telefones (MORAIS, LAGE, MALHEIRO, 2012; TERRA VIANA, 1907). No Pântano do Maé prosseguiram os trabalhos de enchimento e saneamento e, na segunda década do século XX, iniciou-se o enchimento da Maxaquene, utilizando solo das barreiras situadas na zona envolvente (Fig. 6). O denominado Aterro da Maxaquene foi posteriormente extensamente arborizado, tornando-se um espaço de recreio que contrastava a ocupação densa da Baixa. Devido à construção do porto, o antigo centro da cidade tinha perdido a sua relação visual privilegiada com o estuário e com a outra margem. Formada pelo núcleo fundador de Lourenço Marques e pela “cidade nova” dos finais do século XIX, a velha baixa manteve-se como centro cívico até ao final do período colonial. A concentração de comércio e serviços e a proximidade ao porto, caminhos de ferro e áreas de lazer garantiram efetivamente novos investimentos por parte do Estado e dos investidores privados (Figs. 7 e 8).



As várias fases da expansão planeada da “Cidade europeia” – o planeamento urbano promovido pela administração colonial esteve largamente confinado à “cidade dos colonos” – permitiu o desenho e progressiva ocupação por novos blocos para nordeste, ao longo da baía, nos bairros privilegiados da Polana e de Sommerschield. Contudo, o desenho regular caracterizado por longas avenudas bordejadas de árvores e a divisão funcional e sociológica pela raça da cidade e dos seus subúrbios não foi abandonado. De facto, estas divisões funcionais e social-raciais foram elevadas pela estrada circular (Estrada da Circunvalação) que durante muito tempo marcou as fronteiras da cidade.
CONCLUSÃO.
O traçado urbano do antigo Bairro Central da cidade de Lourenço Marques manteve-se praticamente inalterado ao longo do século XX. Foi fisicamente consolidado ao longo das décadas de 1940 e 1950 com os melhoramentos realizados na Avenida 5 de Outubro (no troço correspondente à atual Rua da Rádio), ou seja, com a demolição do antigo Hospital e da Igreja Matriz, que foi substituída pelo monumental Praça Mouzinho de Praça de Albuquerque, pela nova Sé Catedral (1944) e pelo Palácio Municipal (1947), bem como outras facilidades nesta avenida.
A matriz de avenidas largas e a interdependência entre Baixa e Alta (parte alta da cidade) remete-nos para o antigo “Plano Araújo” e para a impressionante transposição de modelos de planeamento urbano para outros territórios e contextos, que é indissociável da história e do patrimônio edificado da cidade e do país. A área construída reflete o encontro / confronto directo com as culturas ancestrais da costa africana do Oceano Índico e o estatuto subalterno da colónia portuguesa em relação às colónias anglófonas vizinhas, que se consolidou através de uma estrutura espacial e conceptual que respondia a uma especificidade cultural, social e económica de referência. Estas condições marcaram profundamente as configurações estética, funcional e social do tecido urbano e foram traduzidas em arranjos e adaptações materiais com um valor histórico reconhecido que vale a pena explorar.


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