A fotografia que ilustra este artigo é de 1993, em Lisboa, aos 65 anos.
Formado em engenharia civil pela Universidade do Porto em 1955, o Engenheiro Bernardino Manuel Vieira (meu Pai) foi trabalhar logo a seguir para o Instituto Geográfico e Cadastral, sob a tutela do Ministério das Finanças de então.
Nasceu em Ponte de Sôr, Alto Alentejo, em Abril de 1928 e faleceu em 11 de Julho de 1994, aos 66 anos de idade. Se fosse vivo, teria hoje 96 anos.
Em 1956, provavelmente no segundo semestre, uma empresa de Braga, a ACIL, que procurava um engenheiro para as suas operações em Moçambique, entrou em contacto com meu Pai através de um colega do Porto. Assim, em Fevereiro de 1957, meu Pai partiu para Moçambique acompanhado de minha Mãe, para ocupar a posição vaga de director de obra. A obra que foi dirigir era em Gaza, a estrada Chibuto-Manjakaze-Chidenguele.
A ACIL – Azevedo Campos Irmãos, Lda. era uma empresa de sociedade por quotas, de responsabilidade limitada, de vários irmãos de Braga, os irmãos Azevedo Campos, dos quais o Sr Francisco Campos era o presidente do Conselho de Administração. A ACIL foi uma construtora de obras de engenharia civil – estradas, pontes, barragens, campos de aviação e aeroportos, etc – de pequena dimensão em Portugal Continental, mas que se tornou uma grande empresa em Angola e especialmente em Moçambique, a partir dos anos 60.
Nesta década, com a expansão da empresa em Moçambique, o filho mais velho de Francisco, o Sr António Alberto Campos, ascendeu à liderança da empresa em Braga, e nomeou seu irmão mais novo, Sr Rui Campos, para director da empresa em Moçambique. Sob a sua liderança, com a colaboração técnica de meu Pai, a ACIL iria crescer vertiginosamente em Moçambique.
Entre 1957 e 1972 a ACIL dispunha de um engenheiro civil, meu Pai, conhecido por Eng. B. Vieira, e vários agentes técnicos de engenharia. Realizou as seguintes obras (posso, por lapso, falhar alguma) sob a sua direcção:
1957 – 1961: estrada Chibuto-Manjakaze-Chidenguele e obras de arte (viadutos, pontes, passagens pedonais, rotundas, etc).
1961 – 1964: estrada Tete-Moatize-Zobué e obras de arte; campo de aviação de Tete (somente as pistas).
1964 – 1965: campo de aviação de Vila Cabral; arruamentos desta capital do Niassa; parte da estrada Vila Cabral-Cuamba.
1965 – 1968: estrada Nampevo-Gurué e obras de arte; pistas do aeroporto de Quelimane.
1968 – 1972: estrada Vila Trigo de Morais (Guijá)-Aldeia da Barragem, obras de arte e acessos à barragem; várias estradas a ligar aldeias do Colonato do Limpopo; acessos e arruamentos em Trigo de Morais e algumas outras aldeias.
1972 – 1975: estrada Centro-Nordeste, ligando a Beira (distrito de Manica e Sofala) a Vila Pery por asfalto e depois ligando a várias cidades no distrito da Zambézia, distrito de Moçambique (Nampula) e distrito de Cabo Delgado, com final em Montepuez.
A estrada Centro-Nordeste, proposta pelo Governo Geral de Moçambique e aprovada com financiamento do Estado e de um consórcio da banca, foi a segunda maior obra de engenharia em Moçambique Português a seguir à barragem de Cabora-Bassa, em volume de terras deslocadas e em valor de custo.
Por volta de 1972 formou-se o consórcio Tâmega-ACIL, para concorrer àquela mega empreitada. Por esta altura meu Pai assumiu o cargo de Director Técnico Geral e sócio do Consórcio. A ACIL era agora, solidamente, a segunda construtora em Moçambique e a terceira em Angola, sendo a Tâmega em Moçambique e a Mota & Cia em Angola as maiores!
Em 1974, a ACIL dispunha, para além do Sr Rui Campos, do meu Pai, do Sr Almeida assim como dois engenheiros da família Campos, de vários engenheiros e agentes técnicos de engenharia, talvez 10, acabados de formar na Metrópole e na Universidade de Lourenço Marques, além de uma força de trabalho de escritório, estaleiro e obra de cerca de 800 elementos de várias valências, dos quais mais de 50% eram negros (não lhes chamo africanos, porque eu sou branco e sou africano!).
A partir de 1975, e até 1991, meu Pai continuou na ACIL, desenvolvendo esforços para manter esta construtora activa em Portugal. Dirigiu ainda obras na Arábia Saudita, S. Tomé e Príncipe e Gabão, concursos internacionais ganhos pela ACIL.
Em 1991, entristecido com a falta de obras de vulto e com a fraca e desmotivada liderança da ACIL, meu Pai saíu para a Cerejo dos Santos, SA. Como engenheiro chefe, foi dirigir a construção do lanço da Marateca, da autoestrada A6, que liga a A2 à fronteira em Vila de Caia, perto de Badajoz.

Embora suspeito na minha avaliação, e passe a imodéstia, o B. Vieira foi um dos grandes engenheiros e gestores de Moçambique. Homem muito inteligente e preparado, mantinha-se actualizado na sua área de actuação. Era conhecido pela sua capacidade de iniciativa, decisão e liderança. Reconhecidamente competente na profissão que adorava, era respeitado (e por vezes temido) pela sua forma de gerir as actividades profissionais e de orquestrar a adesão dos seus colaboradores.
Foi um bom Pai, educador exigente, justo, amigo e companheiro. Entre os seus colaboradores, granjeou amizades (e alguns inimigos), especialmente em Moçambique nos profissionais da ACIL assim como em muitas outras empresas, sectores e áreas de actividade, brancos, negros ou asiáticos, pessoas que ainda hoje o recordam com respeito, admiração e saudade.
Meu Pai, pela profissão e estatuto atingido, relacionava-se com a classe dirigente da Administração de Moçambique, quer a nível distrital quer a nível provincial, assim como com as chefias das Forças Armadas, por exemplo em Tete, Mocuba, Nampula ou Vila Cabral.
Profundo conhecedor da realidade de Moçambique, indígena, social, geológica, territorial, marítima, agrícola e económica, como alentejano que ali desenvolveu a sua vida e onde nasceram os seus filhos, amou aquela Terra com todas as forças do seu enorme coração. Era ali que queria morrer, naquele chão que chamou seu.
Numa vida de trabalho intenso durante 19 anos em África, meu Pai conseguiu ascender socialmente de uma forma que nunca teria sido possível tivesse ele ficado na Metrópole. Em 1974, para além do estatuto atingido, possuía imobiliário (2 casas em Vila Cabral e 1 casa em Lourenço Marques); terrenos em Lourenço Marques; uma machamba de 2500 hectares com outros sócios perto de Boane, a Sebenza, com 900 cabeças de gado, 400 porcos e caprinos, uma plantação de girassol, que fornecia os talhos com carne e matéria prima para a fábrica de óleos, dava trabalho a uma vintena de trabalhadores negros; sociedade na Mopesca, empresa de pesca de camarão em mar-alto; e inúmeros investimentos, depósitos e planos de futuro extra profissional.
Sempre desejou o melhor para Moçambique, essa consciência e responsabilidade levaram-no a assumir uma dimensão política em Moçambique, no entanto muito reservada e circunscrita a espaços recatados, como em casa ou em reuniões entre pessoas que conhecia bem e em quem tinha total confiança.

Hoje posso revelar que meu Pai defendia a independência de Moçambique, sem reservas. Uma independência alinhada com o Ocidente, um Estado-Nação com uma sociedade multirracial – onde coubessem todos os brancos (nascidos na Metrópole ou em Moçambique) – provavelmente liderado no topo por negros, uma relação estreita com Portugal, OCDE, Brasil e África Austral. Neste sentido, foi grande amigo do Dr Domingos Arouca, negro moçambicano que admirava e em quem teria votado se o processo da Descolonização tivesse sido diferente, com eleições livres em Moçambique.
No fundo, o Bernardino do Alentejo tinha sido suplantado pelo B. Vieira de Moçambique. Este ambicionava, muito mais que viver numa província, ser cidadão de um país novo que ajudava a erguer, liberto dos constrangimentos, amarras e dependências castrantes e exploradoras exercidas pela Metrópole.
No seu coração palpitava um amor e um apego por tudo o que era moçambicano como nunca vi em mais ninguém. E por isso, nunca mais foi o mesmo a partir de 1975. Morreu ainda novo, limitado e entristecido pela pequenez ibérica de Portugal.


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