A especificidade de Moçambique Português

A especificidade de Moçambique Português

Não pretendo ser exaustivo, nem me arrogo rigor de historiador, escrevo ao correr da “pena” baseado no conhecimento adquirido em Moçambique, de leituras e da esporádica consulta ao Google!

Moçambique foi e é único em África, pela sua situação geográfica no contexto político e económico da expansão de Quinhentos que acompanhou as rotas das Descobertas, até à ocupação e domínio da África Oriental Portuguesa, no oceano Índico.

Portugueses, acompanhados de outros europeus em muito menor número, em particular gregos e italianos, mas também alguns franceses, alemães e suíços; asiáticos, chineses e em particular macaenses, indianos e luso-indianos do Estado Português da Índia; britânicos, desde o início, nos séculos XVIII e XIX, em redor de Lourenço Marques (Delagoa Bay para os ingleses) e a partir dos anos 20 em Manica e Sofala, através da Companhia de Moçambique e da Sena Sugar; os vários povos negros de Norte a Sul:

todos estes elementos humanos, europeus, asiáticos e nativos africanos confluíram para o território da África Oriental sob soberania mais ou menos efectiva de Portugal, e nele se integraram e moldaram uma sociedade sui generis. Não isenta de problemas, longe de uniforme, no entanto humanamente articulada e civilizacionalmente conseguida em muitos aspectos, por volta de 1974, sob soberania e administração provincial de Portugal.

Tivemos portanto a evoluir no território de Moçambique o destino de gentes de várias origens e nacionalidades, que para ali se encaminharam no contexto da ordem mundial saída da Corrida a África pelas potências europeias em finais do século XIX. Numa área sob disputada soberania de Portugal, sujeita a forte concorrência do Reino Unido no sul, pela pressão das províncias sul-africanas e no centro pelas suas ambições na Federação da Rodésia e na Niassalândia, assim como da Alemanha a norte, no Tanganica. Estas duas potências, muito mais poderosas que Portugal, foram sempre para a administração colonial portuguesa uma enorme ameaça, que chegou em certos períodos a atingir níveis de uma autêntica ingerência nos assuntos internos da África Oriental Portuguesa.

Cecil John Rhodes (1853-1902), colonizador e homem de negócios britânico, rodeou-se de um grupo de jovens estrelas de Oxford, conseguindo conciliar, entre 1873 e 1880, a sua educação em Oxford com a direcção da sua exploração mineira em África.

Em 1880 entrou para o “trust” de diamantes da De Beers Consolidated Mines e em 1881, já como membro do Parlamento do Cabo, bateu-se pela expansão colonial inglesa. Batalhou pelo seu sonho da construção do caminho de ferro para ligar o Cairo, no Egito, ao Cabo, na África do Sul, aliás nunca realizado.

Em 1888 conseguiu o território a norte da Bechuanalândia, as Rodésias do Norte e do Sul (assim chamadas em sua homenagem). Esta conquista para a Inglaterra favoreceu Cecil Rhodes, que se tornou governador da Federação da Rodésia e Niassalândia entre 1889 e 1898. Passado um ano, em 1890, foi eleito primeiro-ministro do Cabo.

Este homem foi um grande influenciador das políticas na África Austral de finais do séc. XIX, as quais tiveram rotas de colisão com a soberania portuguesa em Moçambique. O que obrigou Portugal a jogar com pinças e muita diplomacia, cedendo aqui e ali aos britânicos, seduzindo-os com concessões – os contratos de longa duração em Sofala – e de forma geral não se opondo à penetração do comércio e de empresas britânicas um pouco por todo o lado, em Moçambique.

Esta influência do capitalismo inglês, quer com origem nas Ilhas Britânicas quer na União Sul-Africana, gerou indelevelmente a modernização e o dinamismo no ambiente económico de Moçambique, que a partir do fim da Segunda Guerra Mundial foi sendo adquirido, adaptado e desenvolvido pelos luso-moçambicanos e pelos assimilados da população negra da colónia de Moçambique, futura província ultramarina. Para esta simbiose também contribuíram os “magaíças”, os negros moçambicanos que trabalham nas minas de ouro e diamantes do Rand, no Transvaal, fonte de divisas e de dinamização da economia do sul de Moçambique.

A par dos processos políticos, económicos e sociais levemente abordados acima, a Administração Colonial de Portugal em Moçambique, desde cedo (meados do século XVIII?) que adoptou uma forma de colonialismo que se assumiu distinta do resto do Império, para lidar adequadamente, dadas as circunstâncias e os condicionalismos da localização de Moçambique, com as ambições do Reino Unido, com as relações antigas da costa oriental de África acima da Ilha de Moçambique com o Malabar na costa da Índia, nomeadamente Goa, Damão e Dio, de onde vieram indianos para ajudar ao povoamento e dinamização da actividade económica em Moçambique.

Após as campanhas de pacificação de Portugal sobre os reinos negros no sul de Moçambique, as quais não fugiram à norma da época, violentas e heróicas, sobreveio a natureza particular do colonialismo praticado por Portugal, de índole europeia do sul, ibérica, para administrar e gerir esta grande mescla, nomeadamente na sua forma de encarar e lidar com as populações autóctones.

Nesta evolução da sociedade e das populações, a forte acção da Igreja Católica e das Ordens Missionárias (muitas italianas) influenciou o carácter específico da colonização e da administração colonial de Portugal em Moçambique, tendo sido responsável pela progressiva, se bem que lenta, assimilação dos nativos através das missões, das escolas e das instituições coloniais de Portugal, levando a casamentos mistos e à emergência da mestiçagem, completamente integrada nos tecidos sociais de Moçambique.

O que acima ficou dito concorre para a interpretação da foto dos anos 70!

Na foto vemos uma aula na Universidade de Lourenço Marques, na qual a sociedade progressivamente multirracial e paritária é já perceptível a nível universitário.

Ali, naquela sala, estava a ser gerado o verdadeiro Moçambique do futuro.


Comentários

2 comentários a “A especificidade de Moçambique Português”

  1. Gostei muito! Obrigada!

  2. Avatar de Cisbela Ferrão
    Cisbela Ferrão

    Obrigada João, belo contributo.

Deixe a sua resposta

15.290 total de vistas

2.033 visitantes únicos


Subscreva para obter as últimas publicações e artigos no seu e-mail.

Descubra mais em Moçambique para Memória Futura

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading